20 de jun. de 2010

Guerreiros da cerveja, por Marcos Rolim

Abaixo está um brilhante artigo do ex-deputado petista e jornalista Marcos Rolin , que aborda a associação da imagem do técnico Dunga, o guerreiro, com a propaganda de bebidas alcoólicas. O artigo destaca que os custos derivados do consumo de bebidas alcoólicas na América do Sul representam de 8% a 15% do total dos gastos com saúde pública e critica a associação do consumo de bebidas alcoólicas à prática esportiva.

Guerreiros da cerveja, por Marcos Rolim*

Dunga tem recebido muitas críticas na crônica esportiva. Diante delas, fico sempre com a impressão de que não se trata do técnico, nem das partidas de futebol, mas da ideia que cada um tem sobre o futebol e sobre os modelos – sempre idealizados – do que seja “jogar bem”. Sim, é claro, Dunga poderia ter levado Ganso e Neymar, ao invés de, digamos, Josué e Grafite. Mas, convenhamos, isso não deveria importar muito diante do fato incontestável de que temos um time competitivo com o qual podemos ser campeões.

Nem deveria obscurecer os méritos de Dunga na formação de um conceito que se desloca – até aqui vitoriosamente – em campo. Bem, mas esta não é uma crônica sobre futebol. Antes, penso que seja uma crônica sobre o silêncio.O maior erro de Dunga não foi objeto de atenção dos comentaristas, nem produziu debate na imprensa brasileira. Refiro-me ao fato de o técnico da Seleção estar alugando sua merecida e respeitável imagem de “guerreiro” à venda de uma cerveja.

Como se sabe, alguns dos titulares da Seleção Brasileira também foram contratados para este papel de garotos-propaganda de bebida alcoólica. Tivemos, aqui e ali, uma ou outra observação sobre o fato, mas nenhum debate. Tudo se passa como se fosse um episódio “normal”. Será? Penso que não. Ilana Pinsky, em artigo na Folha de S. Paulo, chamou atenção para o fato de que 87% do merchandising e mais de 70% das propagandas da TV aberta de bebidas alcoólicas são veiculadas nos intervalos ou durante os programas esportivos. Só isso já seria preocupante quando se sabe, segundo estudos da Organização Mundial de Saúde, que os custos derivados do consumo de bebidas alcoólicas na América do Sul representam de 8% a 15% do total dos gastos com saúde pública, o que contrasta com o comprometimento médio de 4% dos orçamentos na área no resto do mundo. Bebe-se muito por aqui, então. Muito mais do que seria razoável.

Mas quando associamos o consumo de bebidas alcoólicas à prática esportiva – e, especialmente, quando vinculamos simbolicamente nossas maiores conquistas e nossos ídolos no futebol ao hábito de beber – o que fazemos é aumentar o problema.O consumo de bebidas alcoólicas no Brasil é um hábito firmado no público jovem – entre 18 e 29 anos – e se concentra muito entre os homens (78%). Não por acaso, então, as estratégias de marketing envolvem mensagens apelativas com mulheres (o que permite a associação entre desejo sexual masculino e bebidas) e esportes (destacadamente o futebol). A ironia é que o álcool deprecia as possibilidades de qualquer atleta e tende a transformar os mais ardentes sonhos sexuais masculinos em pesadelos patéticos.

Mais do que isso, o consumo de bebidas alcoólicas está correlacionado fortemente à violência, ao sexo desprotegido e aos acidentes de trânsito. Tratamos, então, queiramos ou não, dos estímulos que a propaganda pode oferecer à morte. Mas o que é a morte diante de lucros bilionários e milhões em verbas publicitárias? Um brinde ao silêncio, então.